Carmen Novo nasceu em 1969, em São Paulo. É artista plástica, fotógrafa e jornalista com especialização em Estudos de Museus de Arte. Vive e trabalha na França, desde 2003, onde nasceram seus filhos Louis e Rafael. Foi assessora de imprensa, repórter na área de Cultura, diretora de Comunicação e expôs no Brasil, Cuba, Portugal e França.

 

Lançamento do livro no Brasil

 

Sábado
26 de julho
11h
 

Casa da Palavra
Praça do Carmo, 171
Centro, Santo André/SP

 

 

Sábado
2 de agosto
das 17h às 20h

 

Canto Madalena
R. Medeiros de Albuquerque, 471
Vila Madalena, São Paulo/SP

 

TEREZA É MAIS RÁPIDA QUE O SOL

 

Um mergulho nos labirintos da mente, na angústia e no surpreendente impulso que nos salva deles. Em Tereza é mais rápida que o sol, a narrativa é concisa e aborda as complexidades da identidade multicultural brasileira, o feminino e o emaranhado psicológico que atravessa a personagem Tereza. A narrativa é cerebral e poética, um grande plano sobre uma intimidade universal. A obra se expande para além das palavras, acompanhada por imagens marcantes de um ensaio fotográfico realizado pela autora — fotógrafa, artista plástica, jornalista e professora de Artes Aplicadas na França, onde vive e trabalha há 22 anos.

 

POR ROSE SATIKO GITIRANA HIKIJI

 

Tereza é mais rápida que o sol. Talvez porque prefira a sombra. Age no espaço doméstico. Na faxina da casa, vira cadeiras e a vida de ponta cabeça. Em casa, o piscar da secretária eletrônica faz disparar seu coração, o bipe do micro-ondas a convida para o café, os gritos da vizinha a acordam para um cotidiano que não compartilha ainda.

 

Tereza está em movimento. O carro quebrado não para Tereza. Pelo contrário. Ela anota seu telefone no cheque para o príncipe-mecânico.

 

Tereza pode desaparecer.

 

Tereza pode deixar para trás. 

 

Tereza pode voar.

 

A Tereza que Carmen Novo nos apresenta é estranhamente familiar. Os objetos que a circundam nos remetem a um mundo distante, antes dos celulares, da internet rápida, do dinheiro plástico ou virtual. Mas Tereza nos parece tão próxima, e não é difícil reconhecer-se em sua agitação matinal, no bater de seu coração, no sal de seu corpo. 

 

POR JULIO MENDONÇA

 

Carmen Novo é artista plástica e fotógrafa de grande talento. Mantém, também, uma atuação marcante como jornalista cultural. Descubro, agora, que além dessas diferentes formas de atuação na vida cultural que ela tem cultivado com dedicação — e que eu venho acompanhando —, dedica-se, ainda, à literatura.


Este seu texto Tereza é mais rápida que o sol, narrado na terceira pessoa, nos instiga à leitura com esse belo título. O sol é rápido? Como ela, Tereza, supera sua velocidade? 


Sabe aquele verso de Chico Buarque — “todo dia ela faz tudo sempre igual”? Tereza, a mulher que conhecemos aqui, também padece do círculo vicioso do cotidiano — não da mesma forma. Pela manhã, o sol a acende. Ansiosa pelas promessas que seu desejo projeta para um novo dia, antecipa-se ao astro. Aí está a rapidez de que fala o título. Seu coração angustiado anseia por uma vida que corresponda aos seus pensamentos.


Sua casa não é um lar. É um lugar onde ela não se reconhece. A novela evidencia o paralelo entre seus trôpegos afazeres domésticos e — depois de interrompê-los sem concluí-los — a sôfrega busca por alguma atividade de lazer que, invariavelmente, não a satisfaz.  


Se Tereza é rápida ao despertar, a realidade cotidiana que se descortina logo se revela árida e arrefece seus ímpetos: “Amanhece revolucionando o mundo”, diz o texto; e pouco depois: “Ctrl, Alt, Del para todos os seus sonhos matutinos”. 


O texto de Carmen Novo é predominantemente lírico, reservando à personagem Tereza um olhar terno e compreensivo, mas não deixa de lançar algumas tinturas satíricas em direção à solidão patética daquela mulher, o que evita um tratamento condescendente à narrativa.  


Tereza tenta escapar do círculo vicioso a que está presa: pede demissão de seu emprego, reúne seus recursos financeiros e deixa o país para viver uma outra vida no exterior, “cortando todos os vínculos que a prendessem ao chão”. O desfecho que a autora reserva para essa história fica esperando pela curiosidade dos leitores. O sol, a luz que renova dia a dia — mesmo neste mundo de crescente desolação — ainda pode ser capaz de nos fazer transcender a prisão cotidiana? A literatura é uma promessa de felicidade?


Carmen Novo nos apresenta neste livro uma história que, ao menos em parte, já lemos ou ouvimos em canções conhecidas. Afinal, todas as narrativas do mundo já não nos são familiares? O que realmente importa é como o escritor conta a sua história. É nisto que o trabalho de Carmen se distingue. Percebe-se que, nos bastidores da escritura da história de Tereza, há uma autora consciente de seu ofício. Sabe da importância da escolha de cada palavra, de cada vírgula. E que sugerir, muitas vezes, é mais importante do que dizer. 


Este é o primeiro trabalho literário ficcional de Carmen Novo a ser publicado e sua leitura nos diz que o futuro disso é promissor. 
 

A MOROSIDADE DA LUZ
POR KLEBER ALBUQUERQUE

 

Mais do que a simples crônica de uma vida ordinária, Tereza é mais rápida que o sol alinhava de forma perfurante a inquietude contemporânea: entre a ânsia de apagar vestígios do passado e o desejo visceral de reinventar-se, Tereza faxina as gorduras da memória em sua incessante busca por significado em um mundo que parece insistir em reduzi-la à inercia. Sua jornada exercita a estranha arte de transmutar pontos finais em reticências.


A prosa de Carmem Novo é de uma concisão poética feroz que não deixa espaço para nenhum tipo de excesso. Paradoxalmente, no entanto, derrama-se em simbolismos. A faxina doméstica, por exemplo, transforma-se em metáfora de uma limpeza interna, uma tentativa de esvaziar não apenas gavetas, mas também os fantasmas emocionais que nelas se encontram. As lâmpadas gêmeas que se apagam, a salmoura ritualística, o carro que “morde a mangueira do radiador de raiva” — detalhes como esses elevam o cotidiano ao plano do universal, sugerindo que a batalha de Tereza não é apenas contra a poeira ou a gordura, mas contra a própria frágil e efêmera condição humana.


Embora a solidão seja um fio condutor que permeia cada capítulo, Tereza carrega multidões dentro de si. Carmen Novo constrói uma protagonista complexa, cuja força reside justamente em suas fraquezas. Nem heroína nem mártir, Tereza é humana em sua plenitude contraditória, revelando uma resistência silenciosa contra expectativas alheias e sugerindo que talvez a redenção esteja não na fuga, mas na aceitação de que a felicidade é mais uma construção íntima do que um destino.


Nesse sentido, o título “Tereza é mais rápida que o sol” parece revelar a essência da personagem e sua relação com o mundo. O sol, como marcador do tempo, representa a passagem inevitável da vida. Tereza, ao ser “mais rápida”, encarna a tentativa de fugir da rotina, do envelhecimento ou das demandas cotidianas. O sol também simboliza clareza, verdade, exposição. Tereza, porém, corre para evitar ser iluminada — ou seja, para não confrontar suas dores, memórias ou fragilidades. Sua velocidade é tanto fuga quanto proteção: ela se move rápido para não ser alcançada pela luz que desnudaria seus vazios e contradições. O título, assim, carrega uma ironia: Tereza corre, mas nunca ultrapassa o que tenta deixar para trás. Assim como o sol, seus movimentos são em círculo, sempre a reconduzindo a si mesma.


Há poesia na ideia de competir com o sol. Mesmo sabendo que não pode vencê-lo, Tereza insiste em correr. Essa persistência é um ato de resistência que captura a dualidade humana entre a consciência da finitude e a coragem de seguir em frente. Esta é a tragédia e a grandeza de Tereza: sua luta por liberdade em um mundo que insiste em mantê-la presa, sua dança entre a luz e a sombra, e sua recusa silenciosa a se render à quietude — mesmo que isso signifique correr em direção a si mesma, repetidas vezes.


Tereza é mais rápida que o sol não termina na última página. Ecoa no leitor como um desafio: quantas Terezas habitam em nós? Quantas faxinas adiamos, quantas cartas fingimos não receber? Carmen Novo não oferece respostas, mas acende uma lanterna para iluminar nossos próprios cômodos internos. E nessa luz crua, entre trapos e sonhos, talvez encontremos a lentidão necessária para, assim, nos enxergarmos.