Branca Maria de Paula, mineira de Aimorés, é escritora, fotógrafa e roteirista. Licenciada em Filosofia pela UFMG, publicou seu primeiro livro em 1980. É autora de Fundo Infinito, Nanocontos, Um fio para se perder – contos de saia curta  e de O respiro do tempo. Lançou ainda as novelas A Luz Paralela e A cópula dos espelhos. Participa de várias antologias. Diversas vezes premiada, destaca-se como contista e como escritora de histórias infantojuvenis. Reside em Belo Horizonte.

 

ALFABETO DE LESMAS

 

Alfabeto de lesmas  é uma coletânea de poemas que transcende os limites do cotidiano, explorando temas como o amor, a maternidade, a música e a eternidade. Branca Maria de Paula tece, com lirismo singular, encontros amorosos e eróticos, e ao mesmo tempo convida o leitor a refletir sobre os mistérios da vida e da arte. Do sublime ao dolente, a autora transforma experiências humanas em versos ricos de simbolismo, culminando na celebração da poesia. Uma obra que pulsa sensibilidade. 

 

Por Hugo Almeida

 

É inegável o pouco caso que se faz hoje da poesia. Não se pode negar também que ela continua viva e essencial. E assim permanecerá, apesar da indiferença da maioria das pessoas, alienadas em outro circuito, o da tecnologia e bobagens da mídia eletrônica. Christian Prigent (1945) reflete sobre a questão em À quoi bon encore des poètes?, publicado na França em 1996 e traduzido no Brasil como Para que poetas ainda? em 2017 (Florianópolis: Cultura e Barbárie) por Inês Oseki-Dépré e Marcelo Jacques de Moraes. No prefácio, ela e ele resumem o pensamento do autor: “...a poesia talvez seja o único meio de resistir aos discursos pré-formados que nos cercam cada vez mais acintosamente por todos os lados, o único caminho para manter vivo o esforço de arrancar-se, por meio de uma experiência vigorosa da língua, à estupidez verborrágica do mundo”.

De outra maneira, Octavio Paz (1914-1998) levanta a mesma questão em A outra voz (trad. Wladir Dupont, São Paulo: Siciliano, 1993). Afirma o poeta: “Entre a revolução e a religião, a poesia é a outra voz. Sua voz é outra porque é a voz das paixões e das visões; é de outro mundo e é deste mundo, é antiga e é de hoje mesmo, antiguidade sem data”. Na visão de Paz, a singularidade da poesia não está nas ideias nem atitudes do poeta, mas de sua voz. “Melhor dizendo: do sotaque de sua voz.”
Este Alfabeto de lesmas, de Branca Maria de Paula (seu nome já é um verso), confirma o que dizem Christian Prigent e Octavio Paz. O leitor não vai encontrar aqui clichês da oralidade como na verdade, com certeza, foco/focar, inclusive, e a praga ridícula da duplicação do sujeito: Fulano, ele... Arre! Não. Nunca. Poesia é outra voz, limpa, perene e sempre renovada. “Potro selvagem” abre o volume e dá o tom do que vamos ler. No poema-título do livro, Branca cuida de nem sequer citar tela de computador ou celular entre os suportes para a criação de seus versos. Busca elementos naturais, singelos, poéticos, como leito seco do rio, couro esticado do boi, chão de barro, folhas de bananeira, pedra-sabão. No poema seguinte, “Réquiem em Sabará”, homenageia mulheres mártires da cidade, “descansam todas/ Não sangram mais”, com delicioso arremate dos doídos versos: “Livres/ Tão eternas que dá dó”. Escrever poesia não é coisa de maluco, a poeta parece dizer em “Escaramuças”: “Durmo com a loucura/ Mas com ela não me caso”. Em “Cotidiano”, ela une Prometeu e Sísifo. “Errância”, evocação da palavra, termina com bonito e sensual fogo. O musical “Arpejos” traz sonhos, miríades, presságios.
O encontro amoroso, erótico e sublime, atravessa o livro e marca a obra da autora desde a estreia na literatura, como contista, que ainda é. Exemplos do amor aqui: “A dança”, “Revelação”, “Prece absurda”, “Um poeta ronda meus escuros”, “Juntando migalhas”, “Banimento”, “Restos”, “Pequena utopia” (o amor contido), “Verso rouco” (a realização, “a flor do gozo”). A temática amorosa está ainda em “Desafios” – o eu lírico registra “a beleza acre” de “quadros ocultos na paisagem”, “o sabor do vento”, “e tua boca e teu beijo”. Claro, há mais temas neste livro, a música, a eternidade na Terra e no Além etc. A maternidade – penosa, incansável, resignada, bênção para o filho – emociona na quase canção “Iluminamento”, ode à vida. Em “Pausa”, Branca Maria de Paula indaga “Onde fica a poesia?”. A resposta vem no poema final, “Plenitude”, plenitude literária – aliás, presente no livro inteiro. Voz de poeta em meio aos ruídos ao redor.   

Por Malluh Praxedes

 

Branca Maria de Paula tem uma veia poética surpreendente: ora invade o universo infantil, ora reza orações aos mortos que perdem a vida sem ao menos tê-la visto passar...
Seus poemas nos fazem sofrer, refletir, retiram de nós os nós apertados que nos conduzem a perguntas diárias: “A vida é um abalo claro”, avalia.
Podemos esperar surpresas: “Arranho a violência / Mas ela não mata o verso”. Avisa que a vida pode ser serena, mas o troco virá: “Quietas, inofensivas / Nunca mais vão parir / Nunca mais vão gemer / De mórbido prazer”. Como escritora, escolhe com calma seus versos em prosa e confessa: “Em mim não há nenhuma parte dormente. / Graças a deus e aos homens. / Tive trinta e sete anos e alcancei a plenitude.”
Ler seus poemas em “Alfabeto de Lesmas” é uma viagem no interior das noites sombrias, nos dias quentes de amor  infinito, ao deslumbre de uma vida vivida com força e fé: “Tenho todo o direito à felicidade. / Sinto grande prazer em soltar gargalhadas”.