Francisco de Morais Mendes (Belo Horizonte, MG, 1956), jornalista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, é autor dos livros de contos Escreva, querida, A razão selvagem, Onde terminam os dias e Sacrifício e outros contos (Lisboa, 2019; Rio de Janeiro, 2021). Vencedor de oito prêmios literários, entre eles o Prêmio Minas de Cultura, do governo do Estado, o Cidade de Belo Horizonte, da Prefeitura Municipal, e Prêmio Autor 2018, em Lisboa.

 

A BALA DOS DESARMADOS

 

Tomada como personagem, a palavra pode ser o fio unificador de histórias tão variadas. Ela cumpre em cada conto um papel peculiar, em geral contrariando sua destinação primeira, a de comunicar. A palavra esconde intenções, dificulta o contato, embaralha os sentidos, até chegar à mudez absoluta causada por um disparo. Um livro que tem como cenário o nosso tempo: nem a tecnologia nem o acesso garantem uma informação segura, pois os sentidos falham, o falso e o verdadeiro se misturam, e as estruturas se tornam instáveis. Mesmo a bala dos desarmados pode sair pela culatra.

 

POR HUGO ALMEIDA

 

Com este A bala dos desarmados aberto, logo nas primeiras páginas o leitor vai perceber que “A caminho do grande espetáculo” não é apenas o título de uma das obras-primas deste livro. Seus quatorze contos são um grandioso show de alta literatura. Topamos aqui com pessoas, quase sempre casais e famílias, em momentos de aflição, situações-limite, mas há passagens de humor e riso. Com seu texto limpo, cristalino, Francisco de Morais Mendes endossa a afirmação de Shelley em Defesa da poesia: “A distinção entre poetas e prosadores é um erro vulgar”. Estamos diante do trabalho do escritor na plenitude.


O modo de narrar faz a verdadeira obra literária: linguagem, estrutura, personagens, enredo, tudo interligado. Tensão na trama, nos conflitos, controlado fôlego narrativo, com frequência um suave pulso do texto. Eis a arte do autor desses contos magistrais. Ele nos transporta por labirintos existenciais em todas as narrativas. Algumas refletem o clima sufocante que o Brasil enfrentou alguns anos atrás – a metáfora da falta de ar é recorrente nas histórias. 


O escritor transita com habilidade por dramas e segredos de homens e mulheres no convívio familiar (“Incerta viagem”, “Feliz aniversário, Wainer”), em casos político-policiais (“Ar”, “Estado bruto”), em incursões de personagens dentro e fora do país (“Hóspedes”), de refugiados árabes em Paris (“Jardim das plantas”) e expõe o horror da intolerância e da opressão no impressionante “Um olhar, uma foto”. O contista torna o leitor cativo, sem respirar, nessas histórias perturbadoras e em todas as outras – “Corredores”, “A visita”, “A caminho do grande espetáculo”, “Fora de época”, a kafkiana “Névoa” e “Chuva”. Ao colher em Avalovara o título de A bala dos desarmados, Francisco de Morais Mendes honra a memória do mestre Osman Lins.